sexta-feira, 7 de junho de 2013

O ÍNDIO. UMA VÍTIMA ETERNA NO BRASIL


Índios: uma civilização em extinção

                               Editoria UH-Amazônia

 

            O índio e o Brasil Pré-Colombiano

            A avaliação mais baixa dos chamados estudos "clássicos" é de 8 milhões e 400 mil índios e, a mais alta de 40 a 50 milhões, para toda a América. Se aceitarmos esta última estimativa, verificaremos que, em quatro séculos, a população nativa americana foi reduzida a um oitavo do montante original.

            A maior crítica dos estudiosos de demografia histórica americana às avaliações antigas é a de que elas não levaram em conta testemunhos, como do pobre Bartolomeu de Las Casas, que responsabilizou os espanhóis pelo genocídio de 40 milhões de índios em apenas 60 anos. Também não foram levados em consideração pelos "clássicos" os efeitos das epidemias sobre o povo sem defesa orgânica contra nossos vírus e bacilos. A propósito vale citar o depoimento do Padre Manoel da Nóbrega:

            "Uma coisa nos acontecia que muito nos maravilha a princípio e foi que quase todos os que batizamos caíram doentes, quais do ventre, quais dos olhos, quais do apostema; e tiveram ocasiões os seus feiticeiros de dizer que lhes dávamos a doença com água do batismo e, com a doutrina, a morte."

            Há documentos comprovando que a população do México Central "deve ter sido a razão de 20 a 1. Isto é, onde havia 20 indivíduos na época da conquista, restou um só, 130 anos depois." Cálculos feitos sobre o índice da natalidade que, em casos extremos, caiu a zero durante anos. Em algumas regiões do Império Inca, a queda da população em uma guerra chegou à taxa de 25 a 1 e até mesmo de  100 a 1. De 2 milhões de índios, em 1492, sobraram 20 mil em 1685, na região costeira, entre Lima e Paita, no Peru.

            Dados etnográficos mostram que no  Brasil (na terra do fogo) a depopulação aconteceu no  caso dos Ona. A taxa de natalidade foi de 50 a 1 entre 1870 e 1950, isto é, em apenas 80 anos. A dizimação do grupo Nambiwara-Sabané, foi ainda mais drástica, porque ocorrida em muito menos tempo: de 20 a 1, em 22 anos. Outro caso no Brasil é dos índios Kayapó das margens do Rio Araguaia. Os padres dominicanos se estabeleceram na região em 1903 para dirimir os conflitos entre esses índios e seringueiros que penetraram em seu território. Anos mais tarde, os dominicanos estimaram a população Kayapó em 6 a mil indivíduos. Em 1918 estava reduzido a 500 mil e, em 1929, apenas 27, num declínio de 222 a 1, que os levou à extinção.

 

            Escravidão indígena

            Os portugueses de 1500 já tinham experiência no trato com povos nativos das colônias da África e da Ásia. Estabeleciam feitorias em pontos estratégicos do litoral e procuravam monopolizar o comércio, eliminando os concorrentes. No Brasil foi adotado esse modelo. O feitor era o representante do rei na colônia e o intermediário com quem tratavam os traficantes do pau-brasil.

            Encontrando dificuldades, uns e outros que voltaram para os indígenas em busca de auxílio para a extração do pau-brasil. Não havendo animais de tração para arrastar as árvores do local de abate ao de embarque, carecia de braços indígenas que também era necessário para o abastecimento das naus, de lenha, provisões e água.

            "Em troca de camisa, chapéu, facas e outros artigos  - escreve Marchant  - e com ferramentas que os franceses lhes davam, os índios cortavam, devastavam, serravam, falqueavam e toravam o pau-brasil. Depois levantavam no ombro os toros e conduziam, duas ou três léguas por montanhas e terrenos acidentados até a beira-mar, aos navios ali ancorados."

            Apresenta-se, então, a alternativa da escravidão. As primeiras tentativas de fazer escravos não visavam utilizá-los no Brasil. A nau "Bretoa", de cuja atividades temos notícias, já levaram em 1511, 35 escravos embarcados em Cabo Frio. Martim Afonso tinha o direito de mandar 48 escravos do Brasil para Portugal.. Duarte Coelho e outros donatários podiam mandar 24, além de utilizar outros da guarnição de navios.

            O Brasil exportou escravos antes de importá-los. Não há provas direta de escravidão negra no Brasil ao tempo dos donatários, embora Martim Afonso e outros já tenham trazido alguns.

            O tráfico regular de negros teve início em 1568 uma vez que era muito mais barato apanharem escravos índios na mata, do que pagar 20 ou 30 libras inglesas por "peças" trazidas da África.

            São escassos os documentos do uso de escravos índios no Brasil anteriormente a 1549. Dois anos antes fora feita, nas cercanias de São Vicente, muitos dos que foram aprisionados e vendidos em várias capitanias. O assalto às aldeias indígenas, praticados por caçadores de escravos, e responsáveis pela causa de guerra que agitavam esse período. Segundo depoimento de Nóbrega, o fato de os índios andarem vendendo seus filhos mostra um modelo de comportamento desenvolvido pelos primeiros traficantes de escravos.

 

            Erros missionários

            "Muito se fez pelo índio, de dois milhões na época do "descobrimento", os reduzimos a cem mil; e de primeiro e único ocupante de todo o território brasileiro, o espoliamos até não ter mais onde  se assentar. Seus últimos pedaços esparços em terra vem sendo disputado, por muitas e escusas maneiras, pelo "progresso" branco. Oficialmente, o governo brasileiro nega política de extinção. E pode apontar documentos escritos que defendem e protegem o índio. No entanto, antropólogos, missionários e os próprios índios estão vendo, com olhos que não conseguem mais se espantar, que o índio brasileiro vive nesses anos o momento crítico: morte e morte de qualquer maneira." (Rev. de Cult. Vozes, nº 3, 1976, ano 70)

            Podemos dizer que desde o século XVI as missões religiosas se preocupam com o destino das populações tribais. E esta preocupação se manifesta através da tentativa de assimilação dos índios pela fé cristã. Obviamente, isto traria como consequência a destruição das demais partes culturais indígenas. E nesse sentido, os descimentos e reduções jesuíticas quando muito conseguiram desencandear um processo de assimilação e, em nenhum caso, o de integração.

            A redenção dos índios pela fé significou, contudo,, do ponto de vista material um grande desastre. O próprio Anchieta, referindo-se ao destino dos índios que viviam em nossas praias, no século XVI, afirmou:

            "Se perguntarem por tanta gente, dirão que morreu." O mesmo missionário, referindo-se a 80 mil índios, aldeados pela Companhia de Jesus na Bahia, nos informou que em 1585 estavam reduzidos a apenas 10 mil e comenta: " a gente que de 20 anos a esta parte  é gastada nesta Bahia, parece coisa que se não pode crer; porque nunca ninguém cuidou, que tanta gente se gastasse nunca, quanto mais em tão pouco tempo." E o padre Antônio Balquez refere-se a uma epidemia de varíola que grassou na Bahia no ano de 1563 e aniquilou cerca de 30 mil índios.

 

            Os Guaranis

            A terra dos Guaranis começou a ser invadida a partir de 1516. A primeira redução jesuítica foi fundada em 1610 pelos padres italianos Simon Maceta e José Cataldino. Chamava-se Nossa Senhora do Loreto e foi concebida de maneira a ser a  cédula-manter da futura República Cristã. Dois anos mais tarde, chega Antônio Ruiz de Montoya. Os índios eram atraídos às reduções porque era a única maneira de escaparem a escravidão dos colonos espanhóis, os jesuítas os aproximaram, desavisadamente, de um flagelo maior: os mamelucos paulistas, habitantes de São Paulo e Piratininga.

            A redução de Santo Antônio de Guaíra, ocupadas pelos Guaranis foi totalmente exterminada. Lugon descreve assim:

            "Caíram (em 1628) primeiro sobre a redução de Encarnación, que devastaram. Os trabalhadores dispersos pelos campos foram postos a ferro e levados; os recalcitrantes, massacrados. As crianças e os velhos, muitos fracos para seguirem a coluna e marcha forçada, foram igualmente massacrados pelo caminho (...) no total, 15 mil Guarani tinham sido posto o ferro e arrebatados das reduções."

Interação

            Para alguns essa palavra tem representado mais uma forma de agressão etnocêntrica contra os pequenos grupos humanos. Para outros significa uma forma mágica capaz de resolver os problemas administrativos resultantes da existência, em um mesmo território, de sistemas culturais conflitantes. Na verdade, quando se fala em interação, é necessário, do ponto de vista histórico, relembrar o processo de aculturação que se refere a um tipo de mudança cultural provocado de foras do sistema, através de contato de culturas diferentes.

            Ao lado do conceito de aculturação, Darcy Ribeiro faz referência aos grupos integrados. Eles têm sobrevivido a pressões e conservado como ilhas no meio da população nacional. Se transformaram e em reservas das forças de trabalho ou produtores especializados de certas comodidades comerciais.

            "Tudo indica que o processo de integração, se deixado atuar livremente,, não levará à assimilação, mas à extinção dos índios e que uma intervenção adequada pode assegurar sua sobrevivência."                  Roberto Cardoso de Oliveira, também faz diferenciação: "Aqui dois tipos de mecanismos socioculturais devem ser postos em evidência: um que se refere à integração desses contingentes tribais; outro relativo à assimilação desse contingente à sociedade nacional. Enquanto a integração é um fenômeno mais fácil de detectar, a assimilação necessita de uma investigação extremamente acurada por transcender a ordem econômica e envolver fenômenos culturais.

            "Integrar simplesmente é desastroso. Infelizmente o contato com o branco é pernicioso para o índio. É inadmissível a ideia de que o índio deve ser incorporado à nossa civilização. Levados a abandonar sua cultura tribal eles se depauperam, pois sacrificam em troca de nada um modo genuíno de ser homem e uma cultura tão válida quanto qualquer outra, como forma de exprimir a natureza humana." (Cândido Mariano da Silva Rondon).

           

Conclusão

Excetuando o período de 1910 a 1930, a situação do silvícola brasileiro era idêntica aos períodos antecedentes. Foi  com a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), pelo positivista Cândido da Silva Mariano Rondon, que os nossos aborígenes conseguiram respirar aliviados como pessoas humanas dignas de suas culturas e tradições.

            Nessa época o extermínio indígena aplainou. Fiéis ao evolucionismo de August Comte, Rondon e seu grupo comprovou os erros e fracassos das missões religiosas. "A comissão Rondon fora uma aplicação prática, consciente das ideias de Comte no terreno militar: a utilização pacífica do Exército no desbravamento dos sertões interiores, na construção de obras civis como a linha telegráfica, na realização de objetivos humanísticos, como a proteção aos índios. É, pois, de Comte que tem a inspiração para essa epopeia dos sertões brasileiro: um corpo de tropas avançando em território habitado por índios hostis, se nega a fazer uso das armas, mesmo quando atacado, em nome de um princípio de justiça." Darcy Ribeiro.

 

            "Morrer, sim, matar, nunca." Rondon.

            Devido a acontecimentos políticos no Brasil e o advento da Revolução de 1930, o SPI entrou em decadência. Humanista convicto, Rondon recusou servir o governo revolucionário. O alvo da nação passou a ser  as comunidades tribais no interior do Brasil. Começam os sofrimentos. Os invasores chegam violentos, armados, devastando as terras, trazendo doenças e desespero. Com o propósito de dar mais proteção aos índios foi criado a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), em dezembro de 1971. De protetora a Funai passou a ser um carrasco.

            Preocupados com o destino dos mais antigos habitantes do nosso continente, indianistas e antropólogos e a própria igreja  - ansiosa para redimir erros passados - passaram a denunciar as matanças dos "caraíbas" às aldeias indígenas. Os irmãos Villas-Boas são grandes responsáveis por essa corrente de justiça que nas últimas décadas vem conscientizando brancos e índios para a luta desigual durante séculos.

 

            Dados complementares

            Um novo horizonte se abre para as tribos indígenas do Parque do Xingu. Apesar de ainda haver pressão governamental, os índios do Xingu têm representantes de puro sangue silvícola no Congresso nacional e na Fundação do Índio. O cacique Juruna e o sobrinho do cacique Raoni, Megaron, são a esperança das 16 tribos do Xingu. Os chefes indígenas aprenderam as estratégias de combate e defesa dos adversários brancos. Vejamos o que nos diz a repórter Memélia Moreira da Folha de São Paulo, na edição de 6 de maio de 1984:

            - A Funai não percebeu que os tempos mudaram. As estradas, que tantas desgraças levaram aos povos  indígenas, facilitaram, também o acesso dessas tribos ao mundo dos brancos. Ensinaram-lhe palavras novas, novos valores. O Aritana sempre foi considerado o "modelo índio", porque bem comportado, traduziu essa mudança em poucas palavras: Não adianta pensar que Funai vai dar dinheiro, panelas, máquinas. A gente quer terra para filho crescer, não ficar apertado em chiqueiro.

            Essa declaração de Aritana foi durante a temporada de 42 dias que os índios Txhucahamãe (ou Metotire, como exige Raoni), aprisionaram três funcionários da Funai. Além dos reféns os índios se apossaram da balsa que faz ligação das margens do rio Xingu, de grande importância para a região. No final do conflito entre Funai e índios, foi consolidado as exigências indígenas para a demarcação de suas terras e, também, a demissão do presidente da Funai, Otávio Ferreira Lima. O novo presidente da Funai , Jurandyr Cardoso Fonseca, é muito amigo dos silvícolas e como prova de fé na capacidade dos índios, nomeou para presidir o Parque Xingu, o índio txucahamãe, Megaron. Em troca, os caciques indígenas libertaram os três reféns e liberaram a balsa para o trânsito normal no rio Xingu.

 

            Quem é Megaron

            Ele é da tribo Metutire (Txucahamãe). Foi preparado para viver com os brancos sem deixar de ser índio a fim de conhecer-lhe a língua os usos e sentimentos, e servir de intermediário nas transações de seu povo com os civilizados.

            - Eu fui escolhido pelo meu povo para ser um sertanista de "caraíba" assim como Orlando e Claudio são dos índios. Meu trabalho é "amansar branco".

            Quando a Funai fica braba com a gente, eu venho aqui conversar. Ajeitar as coisas. E por que meu povo fica bravo? Por que briga? Briga por causa de terra, da demarcação, porque sabe que está errado. Do ponto de vista de Kremuro e Krumare, o branco está estragando a terra. Por isso os índios brigam. A minha missão é ver as coisas e atender os dois lados.

            Na época dessa entrevista (Revista Atualidade Indígena, 1977), Megaron era chefe do posto Kretire, no Xingu. Já estava familiarizado com nossos costumes. Usando caderninhos com vários números de telefones para manter contatos, Megaron, continua:

            - Quando me registrei na sociedade de vocês, para tirar aquele papelzinho (Certidão de Nascimento) , dei o nome de Megaron. Foi inventado por branco. Na minha tribo me chamam de Mecaronti, que significa: "Espírito Grande". Sou da tribo que todos conhecem de Kaiapó. Mas existem muitas subdivisões. Então a gente dá nome aos outros. Tem Gorotire, Kubenkrâkein, Kakraimojo, Mekranoti é a minha tribo no Pará, Txkahamãe, no Xingu. Quem nos dá esses nomes são os juruna. Significa "gente sem arco". Os Gorotire nos chamam de Makranoti, que quer dizer "cabeça (testa) vermelha."

            Líderes como seu pai (Copie) e chefes como seus tios (Kremuro e Krumare), mantiveram contatos com Claudio e Orlando. Conheceram São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Voltaram para a aldeia e, reunidos, decidiram que alguém deveria ser preparado para escrever, ler e falar língua de caraíba. Era preciso saber tudo sobre o branco para que a tribo fosse informada do que lhe convinha ou não. Era preciso avaliar o perigo que certos caraíbas poderiam representar para seu povo.

            Megaron lembra muito pouco dos ensinamentos e das brincadeiras de menino no rio e nas correrias pela mata atrás de passarinho. A infância foi cortada no começo, logo aos cinco anos quando foi recolhido para desempenhar a missão de salvador de seu povo. Em vez de aprender a história e o segredo de seu povo  -  o que é normal na sua aldeia durante a infância e na adolescência  -  Megaron aprendeu tudo sobre branco.

            - Não tive oportunidade de aprender com os mais velhos as histórias e os segredos da minha gente, como fazem os jovens durante anos, à noite. Agora é que estou recuperando o tempo perdido depois de haver cumprido a tarefa que meu povo me confiou.

                Última Hora, sábado, 29 de junho de 1991

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