Índios: uma civilização em extinção
Editoria
UH-Amazônia
O índio e o
Brasil Pré-Colombiano
A avaliação
mais baixa dos chamados estudos "clássicos" é de 8 milhões e 400 mil
índios e, a mais alta de 40 a 50 milhões, para toda a América. Se aceitarmos
esta última estimativa, verificaremos que, em quatro séculos, a população
nativa americana foi reduzida a um oitavo do montante original.
A maior
crítica dos estudiosos de demografia histórica americana às avaliações antigas
é a de que elas não levaram em conta testemunhos, como do pobre Bartolomeu de
Las Casas, que responsabilizou os espanhóis pelo genocídio de 40 milhões de
índios em apenas 60 anos. Também não foram levados em consideração pelos
"clássicos" os efeitos das epidemias sobre o povo sem defesa orgânica
contra nossos vírus e bacilos. A propósito vale citar o depoimento do Padre
Manoel da Nóbrega:
"Uma
coisa nos acontecia que muito nos maravilha a princípio e foi que quase todos
os que batizamos caíram doentes, quais do ventre, quais dos olhos, quais do
apostema; e tiveram ocasiões os seus feiticeiros de dizer que lhes dávamos a
doença com água do batismo e, com a doutrina, a morte."
Há documentos
comprovando que a população do México Central "deve ter sido a razão de 20
a 1. Isto é, onde havia 20 indivíduos na época da conquista, restou um só, 130
anos depois." Cálculos feitos sobre o índice da natalidade que, em casos
extremos, caiu a zero durante anos. Em algumas regiões do Império Inca, a queda
da população em uma guerra chegou à taxa de 25 a 1 e até mesmo de 100 a 1. De 2 milhões de índios, em 1492,
sobraram 20 mil em 1685, na região costeira, entre Lima e Paita, no Peru.
Dados
etnográficos mostram que no Brasil (na
terra do fogo) a depopulação aconteceu no
caso dos Ona. A taxa de natalidade foi de 50 a 1 entre 1870 e 1950, isto
é, em apenas 80 anos. A dizimação do grupo Nambiwara-Sabané, foi ainda mais
drástica, porque ocorrida em muito menos tempo: de 20 a 1, em 22 anos. Outro
caso no Brasil é dos índios Kayapó das margens do Rio Araguaia. Os padres
dominicanos se estabeleceram na região em 1903 para dirimir os conflitos entre
esses índios e seringueiros que penetraram em seu território. Anos mais tarde,
os dominicanos estimaram a população Kayapó em 6 a mil indivíduos. Em 1918
estava reduzido a 500 mil e, em 1929, apenas 27, num declínio de 222 a 1, que
os levou à extinção.
Escravidão
indígena
Os portugueses
de 1500 já tinham experiência no trato com povos nativos das colônias da África
e da Ásia. Estabeleciam feitorias em pontos estratégicos do litoral e
procuravam monopolizar o comércio, eliminando os concorrentes. No Brasil foi
adotado esse modelo. O feitor era o representante do rei na colônia e o
intermediário com quem tratavam os traficantes do pau-brasil.
Encontrando
dificuldades, uns e outros que voltaram para os indígenas em busca de auxílio
para a extração do pau-brasil. Não havendo animais de tração para arrastar as
árvores do local de abate ao de embarque, carecia de braços indígenas que
também era necessário para o abastecimento das naus, de lenha, provisões e
água.
"Em troca
de camisa, chapéu, facas e outros artigos
- escreve Marchant - e com
ferramentas que os franceses lhes davam, os índios cortavam, devastavam,
serravam, falqueavam e toravam o pau-brasil. Depois levantavam no ombro os
toros e conduziam, duas ou três léguas por montanhas e terrenos acidentados até
a beira-mar, aos navios ali ancorados."
Apresenta-se,
então, a alternativa da escravidão. As primeiras tentativas de fazer escravos
não visavam utilizá-los no Brasil. A nau "Bretoa", de cuja atividades
temos notícias, já levaram em 1511, 35 escravos embarcados em Cabo Frio. Martim
Afonso tinha o direito de mandar 48 escravos do Brasil para Portugal.. Duarte
Coelho e outros donatários podiam mandar 24, além de utilizar outros da
guarnição de navios.
O Brasil
exportou escravos antes de importá-los. Não há provas direta de escravidão
negra no Brasil ao tempo dos donatários, embora Martim Afonso e outros já
tenham trazido alguns.
O tráfico
regular de negros teve início em 1568 uma vez que era muito mais barato
apanharem escravos índios na mata, do que pagar 20 ou 30 libras inglesas por
"peças" trazidas da África.
São escassos
os documentos do uso de escravos índios no Brasil anteriormente a 1549. Dois
anos antes fora feita, nas cercanias de São Vicente, muitos dos que foram
aprisionados e vendidos em várias capitanias. O assalto às aldeias indígenas,
praticados por caçadores de escravos, e responsáveis pela causa de guerra que
agitavam esse período. Segundo depoimento de Nóbrega, o fato de os índios
andarem vendendo seus filhos mostra um modelo de comportamento desenvolvido
pelos primeiros traficantes de escravos.
Erros
missionários
"Muito se
fez pelo índio, de dois milhões na época do "descobrimento", os
reduzimos a cem mil; e de primeiro e único ocupante de todo o território
brasileiro, o espoliamos até não ter mais onde
se assentar. Seus últimos pedaços esparços em terra vem sendo disputado,
por muitas e escusas maneiras, pelo "progresso" branco. Oficialmente,
o governo brasileiro nega política de extinção. E pode apontar documentos
escritos que defendem e protegem o índio. No entanto, antropólogos,
missionários e os próprios índios estão vendo, com olhos que não conseguem mais
se espantar, que o índio brasileiro vive nesses anos o momento crítico: morte e
morte de qualquer maneira." (Rev. de Cult. Vozes, nº 3, 1976, ano 70)
Podemos dizer
que desde o século XVI as missões religiosas se preocupam com o destino das
populações tribais. E esta preocupação se manifesta através da tentativa de
assimilação dos índios pela fé cristã. Obviamente, isto traria como
consequência a destruição das demais partes culturais indígenas. E nesse
sentido, os descimentos e reduções jesuíticas quando muito conseguiram
desencandear um processo de assimilação e, em nenhum caso, o de integração.
A redenção dos
índios pela fé significou, contudo,, do ponto de vista material um grande
desastre. O próprio Anchieta, referindo-se ao destino dos índios que viviam em
nossas praias, no século XVI, afirmou:
"Se
perguntarem por tanta gente, dirão que morreu." O mesmo missionário,
referindo-se a 80 mil índios, aldeados pela Companhia de Jesus na Bahia, nos
informou que em 1585 estavam reduzidos a apenas 10 mil e comenta: " a
gente que de 20 anos a esta parte é
gastada nesta Bahia, parece coisa que se não pode crer; porque nunca ninguém
cuidou, que tanta gente se gastasse nunca, quanto mais em tão pouco
tempo." E o padre Antônio Balquez refere-se a uma epidemia de varíola que
grassou na Bahia no ano de 1563 e aniquilou cerca de 30 mil índios.
Os Guaranis
A terra dos
Guaranis começou a ser invadida a partir de 1516. A primeira redução jesuítica
foi fundada em 1610 pelos padres italianos Simon Maceta e José Cataldino.
Chamava-se Nossa Senhora do Loreto e foi concebida de maneira a ser a cédula-manter da futura República Cristã.
Dois anos mais tarde, chega Antônio Ruiz de Montoya. Os índios eram atraídos às
reduções porque era a única maneira de escaparem a escravidão dos colonos
espanhóis, os jesuítas os aproximaram, desavisadamente, de um flagelo maior: os
mamelucos paulistas, habitantes de São Paulo e Piratininga.
A redução de
Santo Antônio de Guaíra, ocupadas pelos Guaranis foi totalmente exterminada.
Lugon descreve assim:
"Caíram
(em 1628) primeiro sobre a redução de Encarnación, que devastaram. Os
trabalhadores dispersos pelos campos foram postos a ferro e levados; os
recalcitrantes, massacrados. As crianças e os velhos, muitos fracos para
seguirem a coluna e marcha forçada, foram igualmente massacrados pelo caminho
(...) no total, 15 mil Guarani tinham sido posto o ferro e arrebatados das
reduções."
Interação
Para alguns
essa palavra tem representado mais uma forma de agressão etnocêntrica contra os
pequenos grupos humanos. Para outros significa uma forma mágica capaz de
resolver os problemas administrativos resultantes da existência, em um mesmo
território, de sistemas culturais conflitantes. Na verdade, quando se fala em
interação, é necessário, do ponto de vista histórico, relembrar o processo de
aculturação que se refere a um tipo de mudança cultural provocado de foras do
sistema, através de contato de culturas diferentes.
Ao lado do
conceito de aculturação, Darcy Ribeiro faz referência aos grupos integrados.
Eles têm sobrevivido a pressões e conservado como ilhas no meio da população
nacional. Se transformaram e em reservas das forças de trabalho ou produtores
especializados de certas comodidades comerciais.
"Tudo
indica que o processo de integração, se deixado atuar livremente,, não levará à
assimilação, mas à extinção dos índios e que uma intervenção adequada pode
assegurar sua sobrevivência." Roberto Cardoso de Oliveira, também
faz diferenciação: "Aqui dois tipos de mecanismos socioculturais devem ser
postos em evidência: um que se refere à integração desses contingentes tribais;
outro relativo à assimilação desse contingente à sociedade nacional. Enquanto a
integração é um fenômeno mais fácil de detectar, a assimilação necessita de uma
investigação extremamente acurada por transcender a ordem econômica e envolver
fenômenos culturais.
"Integrar
simplesmente é desastroso. Infelizmente o contato com o branco é pernicioso para
o índio. É inadmissível a ideia de que o índio deve ser incorporado à nossa
civilização. Levados a abandonar sua cultura tribal eles se depauperam, pois
sacrificam em troca de nada um modo genuíno de ser homem e uma cultura tão
válida quanto qualquer outra, como forma de exprimir a natureza humana."
(Cândido Mariano da Silva Rondon).
Conclusão
Excetuando o período de 1910 a 1930, a situação do silvícola
brasileiro era idêntica aos períodos antecedentes. Foi com a criação do Serviço de Proteção aos
Índios (SPI), pelo positivista Cândido da Silva Mariano Rondon, que os nossos
aborígenes conseguiram respirar aliviados como pessoas humanas dignas de suas
culturas e tradições.
Nessa época o
extermínio indígena aplainou. Fiéis ao evolucionismo de August Comte, Rondon e
seu grupo comprovou os erros e fracassos das missões religiosas. "A
comissão Rondon fora uma aplicação prática, consciente das ideias de Comte no
terreno militar: a utilização pacífica do Exército no desbravamento dos sertões
interiores, na construção de obras civis como a linha telegráfica, na
realização de objetivos humanísticos, como a proteção aos índios. É, pois, de
Comte que tem a inspiração para essa epopeia dos sertões brasileiro: um corpo
de tropas avançando em território habitado por índios hostis, se nega a fazer
uso das armas, mesmo quando atacado, em nome de um princípio de justiça."
Darcy Ribeiro.
"Morrer,
sim, matar, nunca." Rondon.
Devido a
acontecimentos políticos no Brasil e o advento da Revolução de 1930, o SPI
entrou em decadência. Humanista convicto, Rondon recusou servir o governo
revolucionário. O alvo da nação passou a ser
as comunidades tribais no interior do Brasil. Começam os sofrimentos. Os
invasores chegam violentos, armados, devastando as terras, trazendo doenças e
desespero. Com o propósito de dar mais proteção aos índios foi criado a FUNAI
(Fundação Nacional do Índio), em dezembro de 1971. De protetora a Funai passou
a ser um carrasco.
Preocupados
com o destino dos mais antigos habitantes do nosso continente, indianistas e
antropólogos e a própria igreja -
ansiosa para redimir erros passados - passaram a denunciar as matanças dos
"caraíbas" às aldeias indígenas. Os irmãos Villas-Boas são grandes
responsáveis por essa corrente de justiça que nas últimas décadas vem
conscientizando brancos e índios para a luta desigual durante séculos.
Dados
complementares
Um novo
horizonte se abre para as tribos indígenas do Parque do Xingu. Apesar de ainda
haver pressão governamental, os índios do Xingu têm representantes de puro
sangue silvícola no Congresso nacional e na Fundação do Índio. O cacique Juruna
e o sobrinho do cacique Raoni, Megaron, são a esperança das 16 tribos do Xingu.
Os chefes indígenas aprenderam as estratégias de combate e defesa dos
adversários brancos. Vejamos o que nos diz a repórter Memélia Moreira da Folha
de São Paulo, na edição de 6 de maio de 1984:
- A Funai não percebeu que os tempos mudaram. As estradas,
que tantas desgraças levaram aos povos
indígenas, facilitaram, também o acesso dessas tribos ao mundo dos
brancos. Ensinaram-lhe palavras novas, novos valores. O Aritana sempre foi
considerado o "modelo índio", porque bem comportado, traduziu essa
mudança em poucas palavras: Não adianta pensar que Funai vai dar dinheiro,
panelas, máquinas. A gente quer terra para filho crescer, não ficar apertado em
chiqueiro.
Essa
declaração de Aritana foi durante a temporada de 42 dias que os índios
Txhucahamãe (ou Metotire, como exige Raoni), aprisionaram três funcionários da
Funai. Além dos reféns os índios se apossaram da balsa que faz ligação das
margens do rio Xingu, de grande importância para a região. No final do conflito
entre Funai e índios, foi consolidado as exigências indígenas para a demarcação
de suas terras e, também, a demissão do presidente da Funai, Otávio Ferreira
Lima. O novo presidente da Funai , Jurandyr Cardoso Fonseca, é muito amigo dos
silvícolas e como prova de fé na capacidade dos índios, nomeou para presidir o
Parque Xingu, o índio txucahamãe, Megaron. Em troca, os caciques indígenas
libertaram os três reféns e liberaram a balsa para o trânsito normal no rio
Xingu.
Quem é Megaron
Ele é da tribo
Metutire (Txucahamãe). Foi preparado para viver com os brancos sem deixar de
ser índio a fim de conhecer-lhe a língua os usos e sentimentos, e servir de
intermediário nas transações de seu povo com os civilizados.
- Eu fui
escolhido pelo meu povo para ser um sertanista de "caraíba" assim
como Orlando e Claudio são dos índios. Meu trabalho é "amansar
branco".
Quando a Funai
fica braba com a gente, eu venho aqui conversar. Ajeitar as coisas. E por que
meu povo fica bravo? Por que briga? Briga por causa de terra, da demarcação,
porque sabe que está errado. Do ponto de vista de Kremuro e Krumare, o branco
está estragando a terra. Por isso os índios brigam. A minha missão é ver as
coisas e atender os dois lados.
Na época dessa
entrevista (Revista Atualidade Indígena, 1977), Megaron era chefe do posto
Kretire, no Xingu. Já estava familiarizado com nossos costumes. Usando
caderninhos com vários números de telefones para manter contatos, Megaron,
continua:
- Quando me
registrei na sociedade de vocês, para tirar aquele papelzinho (Certidão de
Nascimento) , dei o nome de Megaron. Foi inventado por branco. Na minha tribo
me chamam de Mecaronti, que significa: "Espírito Grande". Sou da
tribo que todos conhecem de Kaiapó. Mas existem muitas subdivisões. Então a
gente dá nome aos outros. Tem Gorotire, Kubenkrâkein, Kakraimojo, Mekranoti é a
minha tribo no Pará, Txkahamãe, no Xingu. Quem nos dá esses nomes são os
juruna. Significa "gente sem arco". Os Gorotire nos chamam de
Makranoti, que quer dizer "cabeça (testa) vermelha."
Líderes como
seu pai (Copie) e chefes como seus tios (Kremuro e Krumare), mantiveram
contatos com Claudio e Orlando. Conheceram São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro. Voltaram para a aldeia e, reunidos, decidiram que alguém deveria ser
preparado para escrever, ler e falar língua de caraíba. Era preciso saber tudo
sobre o branco para que a tribo fosse informada do que lhe convinha ou não. Era
preciso avaliar o perigo que certos caraíbas poderiam representar para seu
povo.
Megaron lembra
muito pouco dos ensinamentos e das brincadeiras de menino no rio e nas
correrias pela mata atrás de passarinho. A infância foi cortada no começo, logo
aos cinco anos quando foi recolhido para desempenhar a missão de salvador de
seu povo. Em vez de aprender a história e o segredo de seu povo - o
que é normal na sua aldeia durante a infância e na adolescência -
Megaron aprendeu tudo sobre branco.
- Não tive
oportunidade de aprender com os mais velhos as histórias e os segredos da minha
gente, como fazem os jovens durante anos, à noite. Agora é que estou
recuperando o tempo perdido depois de haver cumprido a tarefa que meu povo me
confiou.
Última
Hora, sábado, 29 de junho de 1991
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