Nem da Rocinha: ‘Leio a Bíblia Sempre, Não Vou para o Inferno’; 'Quem Quiser se Recuperar Vai para a Igreja'“Não vou para o inferno. Leio a Bíblia sempre, e faço cultos na minha casa, chamo pastores”. A frase poderia ser de qualquer evangélico que pratica cultos domésticos em sua própria casa, mas é de ninguém menos do que de Antônio Bonfim Lopes, o Nem, o chefe do tráfico na favela da Rocinha.
Nem é considerado o bandido mais perigoso do Rio de Janeiro. Foi preso na madrugada desta quarta-feira (10) em uma operação da Polícia Militar e do Batalhão de Choque no entorno da favela.
O chefe do tráfico concedeu a entrevista à jornalista Ruth de Aquino, da revista Época, antes de ocorrer sua prisão em um campo de futebol da comunidade, próximo ao QG do tráfico na Rocinha.
A jornalista conseguiu a entrevista por meio de contatos com uma igreja que recupera drogados, traficantes e prostitutas, que atua na favela.
A reportagem descreve Nem como sendo pai de sete filhos e uma figura temida e cortejada em toda a comunidade, sendo tratado como “presidente” por quem convivia com ele.
Durante a entrevista, foram abordados diversos assuntos, de política a religião.
Sobre as UPP, Unidades de Policia Pacificadora, instaladas nas favelas como forma de desarticular quadrilhas que controlam estes territórios como estados paralelos, Nem opinou:
“O Rio precisava de um projeto assim. A sociedade tem razão em não suportar bandidos descendo armados do morro para assaltar no asfalto e depois voltar. Aqui na Rocinha não tem roubo de carro, ninguém rouba nada, às vezes uma moto ou outra. Não gosto de ver bandido com um monte de arma pendurada, fantasiado”, disse.
O traficante ainda apontou possíveis falhas na UPP: “a UPP é um projeto excelente, mas tem problemas. Imagina os policiais mal remunerados, mesmo os novos, controlando todos os becos de uma favela. Quantos não vão aceitar R$ 100 para ignorar a boca de fumo?”
Perguntado sobre se pratica alguma religião, o traficante afirmou que não tem ligação com nenhuma igreja, mas lê a Bíblia sempre, chegando a afirmar que Deus “teria algum plano para ele”.
“Não vou para o inferno. Leio a Bíblia sempre, pergunto a meus filhos todo dia se foram à escola, tento impedir garotos de entrar no crime, dou dinheiro para comida, aluguel, escola, para sumir daqui. Faço cultos na minha casa, chamo pastores. Mas não tenho ligação com nenhuma igreja. Minha ligação é com Deus.”
Ele conta que aprendeu a ‘rezar’ desde criancinha, com seu pai: “mas só de uns sete anos para cá comecei a entender melhor os crentes. Acho que Deus tem algum plano para mim. Ele vai abrir alguma porta”, acredita.
Nem confessa que a vida com o crime não compensa, e que sua vontade é largar o tráfico. “Queria dormir em paz”, confidencia.
“É muito ruim a vida do crime. Eu e um monte queremos largar. Bom é poder ir à praia, ao cinema, passear com a família sem medo de ser perseguido ou morto. Queria dormir em paz. Levar meu filho ao zoológico. Tenho medo de faltar a meus filhos. Porque o pai tem mais autoridade que a mãe. Diz que não, e é não. Na Colômbia, eles tiraram do crime milhares de guerrilheiros das Farc porque deram anistia e oportunidade para se integrarem à sociedade. Não peço anistia. Quero pagar minha dívida com a sociedade”
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