Instalado no Centro Jurídico da Universidade Federal do Pará, no campus do Guamá, o juizado especial do idoso, composto de duas varas, julga em média por mês cerca de 80 processos relativos a fraudes bancárias praticadas contra aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Embora expressivo, esse número dá apenas uma pálida ideia da dimensão do problema que torna infelizes milhões de idosos em todo o Brasil e em particular no Estado do Pará.
Não existem, até hoje, levantamentos estatísticos atualizados e confiáveis a respeito de crimes contra a economia popular do idoso no Pará, nem por parte da Secretaria de Segurança Pública e nem do Tribunal de Justiça do Estado. De qualquer forma, os números disponíveis já permitem apontar o Pará como sendo, proporcionalmente à sua população, um dos campeões brasileiros nesse tipo de ocorrência, segundo advogados que atuam nessa área e autoridades do próprio Judiciário.
As fraudes, feitas muitas vezes grosseiramente, consistem no uso de documentos forjados e na elaboração de contratos fictícios de empréstimos em consignação para permitir o desconto, em parcelas mensais, dos valores pagos pelo INSS aos aposentados e pensionistas. Os arranjos são feitos de forma tão indecorosa que, não raro, as informações contidas no “contrato” não têm qualquer relação com o suposto tomador do empréstimo – no caso, a vítima, beneficiária da Previdência Social.
Há três anos atuando na prestação de assistência jurídica a idosos, através de escritório montado em Castanhal, a advogada Aline Takashima coleciona alguns casos escabrosos e reveladores do descalabro a que se vêm entregando algumas instituições financeiras e seus corretores. São comuns, por exemplo, os casos de descontos em conta de aposentados e pensionistas residentes no interior do Pará e nos quais o dinheiro correspondente vai parar em contas de terceiros em cidades distantes de outras regiões do país. Em outra situação absurda, foi apontado como pertencente ao suposto tomador do empréstimo um número de telefone com identificação dos Emirados Árabes, pequeno país do sudoeste asiático.
Especialista em direito financeiro e comercial, Aline Takashima acompanhou, no início desta semana, em Belém, o julgamento, pelo Juizado do Idoso, de três processos em que figurava como vítima uma mesma pessoa – a aposentada Benedita Trindade Vieira, residente na comunidade de Fazendinha, no município de Marapanim. Na conta dela, apareceram descontos relativos a três supostos “empréstimos” em consignação, sendo um em nome do Banco BMG, outro do Banco Mercantil do Brasil e um terceiro do Banco Votorantim.
Acontece que Benedita nunca havia tomado de empréstimo um centavo sequer e nem havia assinado um único contrato. No julgamento, o juiz Miguel Lima dos Reis Júnior, titular da 1ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal do Idoso, deu ganho de causa à vítima e condenou os três bancos ao pagamento de indenização por danos morais e o ressarcimento em dobro dos valores irregularmente descontados, acrescidos de juros e correção monetária. Nos três processos, a vítima deverá receber um total de aproximadamente R$ 20 mil.
Mutirão para combater crimes
Num período de apenas seis anos, de 2003 a 2008, a Força-Tarefa Previdenciária efetuou, em todo o Brasil, 1.172 prisões, sendo 264 de servidores públicos e 821 cidadãos comuns. Essas prisões ocorreram no curso de 183 operações, em cuja execução foram cumpridos também 1.615 mandados de busca e apreensão. Integrada pelo Ministério da Previdência Social, Departamento de Polícia Federal e Ministério Público Federal, a Força-Tarefa Previdenciária foi criada com o objetivo, entre outros, de combater os crimes previdenciários.
No Pará, além de casos pontuais de prisões em flagrante, contam-se nesse período diversas operações, algumas delas com grande impacto. Em 2008, por exemplo, tivemos a Operação Flagelo, para cumprimento de 31 mandados de prisão e 37 de buscas e apreensão. A mesma operação se repetiria em 2009, com 128 mandados judiciais, sendo 70 de busca e apreensão e 58 de prisão preventiva. Entre as duas, tivemos ainda por aqui a Operação Epitáfio, em dezembro de 2008.
Em 2010, a Polícia Federal realizou a “Operação Papeleiro”, para reprimir a falsificação de documentos previdenciários. E, já em 2011, tivemos a Operação Hidra de Lerna, para cumprimento de 35 mandados de prisão, 47 de busca e apreensão e 6 de condução coercitiva. Nessa operação, foram desarticuladas quatro quadrilhas. Entre os presos, estavam dois servidores da Previdência Social, um agente prisional, um funcionário do Bradesco, 27 intermediários, conhecidos como “cartãozeiros” e quatro pessoas portadoras de documentos falsos para saques fraudulentos de benefícios.
As repetidas operações da Polícia Federal e o grande número de prisões, em quase todas elas, mostram que os fraudadores estão ativos em todo o Estado e costumam agir com grande desenvoltura. E isso já vem de um bom tempo. Em março de 2006, por exemplo, seis pessoas foram presas em Belém, pela Polícia Federal. Elas eram acusadas de integrar uma quadrilha de fraudadores, que utilizavam, sem autorização, dados de aposentados e pensionistas para obter empréstimos em instituições financeiras em nome dos beneficiários da Previdência Social.
Os idosos só percebiam que tinham sido vítimas do golpe quando apareciam em seus contracheques os descontos dos empréstimos que eles nunca haviam realizado. De lá para cá, a situação só fez piorar, com o aumento do número de instituições financeiras no mercado e dos seus corretores, alguns deles atuando como artífices das operações fraudulentas.
Envergonhadas, vítimas silenciam
Levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) calculou em 701,2 mil o número de aposentados e pensionistas no Pará pelo regime geral de beneficiários do INSS. Esse número provavelmente passará de 800 mil se a ele forem acrescentados os inativos do Estado e de outros regimes previdenciários. No plano teórico, todo esse contingente é alvo potencial dos fraudadores. Na prática, porém, nem todos – e justamente no aspecto seletivo reside outro ponto especialmente perverso da fraude contra os aposentados.
A advogada Aline Takashima diz que não é possível precisar um percentual dos idosos fraudados que formalizam reclamação judicial contra instituições financeiras. Mas, certamente – afirma –, é um percentual absurdamente baixo, quando consideramos o todo, porque de um modo geral trata-se de pessoas extremamente simples. Essas pessoas, segundo ela, temem inclusive que uma eventual reclamação possa resultar na suspensão de seu benefício. “São pessoas humildes, muitas delas analfabetas, que moram em vilarejos afastados e que enfrentam muitas vezes enormes limitações de acessibilidade, seja por questões de natureza física, educacional ou econômica”, assinala a advogada.
Aline Takashima destaca que a esmagadora maioria das pessoas lesadas prefere silenciar, ainda que isso lhes acarrete privações de alimentos e até mesmo de remédios. Acontece, diz ela, que essas pessoas, por excessivamente humildes e retraídas, acabam tendo enormes dificuldades de atendimento, tanto nas delegacias de polícia quanto nas agências da Previdência Social. É por isso, segundo o seu entendimento, que as fraudes estão sendo praticadas em números crescentes e com grande desenvoltura em todo o interior do Pará.
O juiz Miguel Lima, do Juizado Especial do Idoso, observa que, depois que se criou o regime de empréstimo em consignação, criou-se também no Brasil “uma legião de fraudadores”. As fraudes, segundo o magistrado, tanto lesam os bancos como os idosos, embora haja entre ambos uma diferença importante. Os bancos acabam lucrando pelo grande volume de negócios, mesmo quando condenados em vários processos ao pagamento de indenizações. “A vítima é mesmo o aposentado”, admite. (Diário do Pará)