segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

VAMOS DAR RAZÃO E REVERENCIAR BRIZOLA E DARCI RIBEIRO

CIEPs - Exemplo para o Brasil

Professora Tatiana Chagas Memória
Nos últimos trinta anos, a decadência da Escola Pública, vem sendo comprovada por todos os educadores nesse País, por índices cada vez mais altos de repetência e evasão escolar. Parece que caímos num círculo vicioso, em que o conformismo de uma grande maioria insiste em defender uma escola ineficiente, incapaz de construir em seu alunado o conhecimento mínimo, capaz de integrá-lo à sociedade.

Em 1982, Leonel Brizola assumiu, eleito pelo povo, o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Darcy Ribeiro, antropólogo e educador, seu Vice-Governador e Secretário de Estado de Cultura, Ciência e Tecnologia, propôs ao Governo que, em lugar de multiplicar conformadamente aquela escola conservadora que, nas suas palavras, fingia que ensinava as crianças que fingiam que aprendiam, era vital que se promovesse uma revolução na educação desse País, dando a ele a escola verdadeira e honesta que seu povo merecia.
Com a aprovação do Governador Leonel Brizola, o Professor Darcy Ribeiro solicitou a Oscar Niemeyer um projeto arquitetônico capaz de conter os espaços necessários a uma escola de tempo integral e que possibilitasse, através de sua multiplicação, baixos custos e montagem rápida.
Projeto Pedagógico - O gênio de Oscar Niemeyer produziu um prédio, executado com seis peças pré-fabricadas de concreto armado, cuja beleza e impacto chegaram a encobrir o projeto pedagógico desenvolvido no interior do mesmo. Enquanto Niemeyer trabalhava no projeto arquitetônico, professores trabalhavam sob a orientação de Darcy Ribeiro na estrutura do I Programa Especial de Educação, do seu projeto pedagógico.
As unidades começaram a ser construídas e, durante uma ano, professores foram treinados para exercer seu trabalho em uma escola com oito horas de atendimento diário, que incluíam desde o desenvolvimento de um currículo básico até atividades de animação cultural, estudo dirigido e educação física. Não foi esquecido um centro de saúde e uma biblioteca em cada uma dessas escolas.
30 primeiros - Os trinta primeiros Centros Integrados de Educação Pública - CIEPs - foram autorizados pelo Governador Brizola, em caráter experimental. Entretanto, esses trinta mal tinham começado a funcionar, mais cento e vinte foram autorizados e, logo depois, mais trezentos, que chegariam a quinhentos, se tivesse havido tempo para tanto.
Em 1987, cento e vinte e sete CIEPs estavam prontos. Oitenta, em pleno funcionamento; quarenta e sete em fase de montagem. Nos canteiros de obras das empreiteiras responsáveis pelas construções, nas áreas já selecionadas para novas unidades, centenas de peças prontas para a montagem dos trezentos CIEPs já autorizados foram abandonadas.
Nós vivemos, infelizmente, em um País em que a política ainda não respeita o bem público; em que planos e projetos decenais de educação são feitos e desfeitos a cada quatro anos, com a mudança dos governantes.
Essa foi a sorte dos CIEPs. Quarenta e sete CIEPs, já prontos, em fase de montagem, com todos os seus equipamentos e utensílios já adquiridos, foram doados a Prefeituras Municipais do interior do Estado que passaram a utilizá-los das formas as mais variadas, instalando em alguns suas sedes, cedendo-os para seitas religiosas, alugando-os para instituições privadas de ensino e até para academias de ginástica. Outros abrigaram sobreviventes de enchentes, foram usados como escolas agrícolas ou simplesmente abandonados, foram invadidos e transformados em favelas.
Programa Especial - Nos oitenta que estavam em pleno funcionamento, o I Programa Especial de Educação foi desmontado e voltaram a funcionar neles aqueles mesmos dois ou três turnos da rede convencional, ineficientes e incapazes de promover o aprendizado, sempre com a mesma alegação de que faltam salas de aula e de que é preciso colocar a criança na escola, mesmo que essa escola seja de mentira. Os equipamentos e utensílios adquiridos para aquelas quarenta e sete unidades foram doados, emprestados e perdidos.
Todo o projeto pedagógico foi liquidado. Entretanto, a impossibilidade de demolir um prédio que pela sua beleza marcou toda a paisagem do Rio de Janeiro, fez com que os governantes o abandonassem completamente, sem manutenção e sujeito à deterioração causada pela má utilização.
Esse foi o panorama encontrado em 1991, quando o Governador Leonel Brizola reassumiu o Governo do Estado do Rio de Janeiro, eleito com quase 70% de votos da população e o compromisso de entregar ao povo desse Estado os 500 CIEPs previstos.
Coube à Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro - EMOP - a recuperação física das cento e vinte e sete unidades destruídas e a finalização e a construção de outras trezentas e setenta e nove. A Secretaria do Estado de Educação iniciou, ao mesmo tempo, a retomada do projeto pedagógico.
Avaliação - Avaliações feitas nos oitentas CIEPs que mantiveram seu alunado acusaram um nível de eficiência igual ao da rede tradicional, o que era absolutamente verdadeiro, porque o que existia no interior desses prédios de CIEPs eram escolas da rede convencional.
O trabalho árduo de reimplantação de um programa educacional já totalmente desacreditado, uma vez que para a população o prédio era o mesmo e o que ele continha não trazia nada de novo, levou à criação, em setembro de 1991, da Secretaria Extraordinária de Programas Especiais, sob a orientação do Professor Darcy Ribeiro, com o objetivo específico de montar e implantar o II Programa Especial de Educação nessas quinhentas e nove unidades escolares.
Estruturada essa Secretaria para a tarefa de montar e abastecer essas unidades escolares, iniciou-se nela, também, uma rediscussão do projeto pedagógico.
Constatou-se não só a grande falta de professores, como ainda o baixo nível de formação dos mesmos, que vem sendo discutido em todo o País. Contatou-se, ainda, que todas essas unidades deveriam funcionar ordenadas dentro de um projeto pedagógico único, ou teremos a reprodução do que ocorreu nas redes comuns em que, por um equívoco do que significa Democratização da Educação, entrega-se totalmente as escolas a direções às vezes eleitas, que orientam tais unidades de forma melhor ou pior, de acordo apenas com sua competência, mas sempre diferentes umas das outras, tanto pedagógica quando administrativamente.
Professor bolsista - A grande preocupação com o nível do professor e sua capacitação para a tarefa de integrar todas as atividades de uma escola de turno único levou a Secretaria a criar, em convênio com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a figura do professor bolsista que, em número de dois para cada turma, permaneciam em sala de aula por quatro horas em prática pedagógica. Em mais quatro horas, o próprio professor cumpria o seu currículo, apoiado por uma programação de televisão especialmente produzida para esse fim.
A necessidade de um projeto pedagógico construtivista fez com que a Secretaria Extraordinária produzisse todo o material didático que tinha como objetivo trabalhar com o aluno e com o professor. Para a capacitação do professor produziu-se, ainda, todo um material pedagógico que previa um trabalho de avaliação continuada e uma revista de informação cultural.
Em fevereiro de 1992, já com o projeto pedagógico revisto, teve início o processo de implantação do II Programa Especial de Educação, nos primeiros CIEPs entregues pela EMOP totalmente recuperados. Até outubro de 1992, foram reimplantadas trinta e oito unidades. A partir de outubro, e já na impossibilidade de concluir um ano letivo, a Secretaria continuou com a implantação dos CIEPs, mas funcionando com classes de ambientação.
Aproveitamento - Em fevereiro de 1993, cento e sessenta unidades entraram em funcionamento já com toda a estrutura do Programa montada, o que nos permitiu a contratação de uma avaliação externa que teve seus instrumentos aplicados em dezembro, de acordo com previsão do Plano Básico de Educação deste Estado. Os resultados desta avaliação, feita por seis professores pós-graduados, em cinqüenta e sete unidades que completavam o ano letivo, nos levaram a acreditar que tínhamos encontrado o caminho. 93% dos alunos do 3º ano de escolaridade 76,58% dos alunos do 5º ano de escolaridade tiveram aproveitamento satisfatório e teriam sido aprovados em escolas tradicionais. Esses são índices que nos comprovam o acerto de um trabalho sério, desenvolvido com aluno e professor.
Como resultado da implantação desse Programa, foram oferecidos 23.500 novos empregos de professores e funcionários de apoio. 205.000 vagas de Ciclo Básico e 137.000 vagas para a Educação Juvenil foram oferecidas à população. O programa de Alunos Residentes atendeu a 4.778 alunos dos quais 2.416 foram reintegrados às suas famílias e 2.362 permanecem em atendimento nos CIEPs. Dez mil professores selecionados receberam treinamento e reciclagem como bolsistas nos CIEPs.
Centro de TV - O Centro de Televisão já produziu mais de 380 horas de programação didática e educativa para atendimento do aluno e do professor. Foram produzidos 61 títulos de material didático, com tiragem e mais de 11.000.000 exemplares. O Estado do Rio de Janeiro foi o maior comprador de livros, no ano de 1993, para o maior número de bibliotecas existentes em qualquer outro estado do País.
Integradas ao Sistema Estadual de Bibliotecas, cada CIEP possui a sua. Mesmo o menor município do Estado do Rio de Janeiro possuiu pelo menos uma biblioteca, a do CIEPs, à disposição de toda a comunidade. Enquanto todo esse processo estava em andamento, as novas discussões sobre o Programa apontaram para uma necessidade imediata de atendimento ao segundo segmento do 1º grau e ao 2º grau de ensino, que há anos não mereciam a atenção dos governantes.
Ginásios Públicos - Consciente da necessidade de novos rumos para a educação média, o Senador Darcy Ribeiro, autor de projeto de lei para as Diretrizes e Bases da Educação, propôs a criação dos Ginásios Públicos, aprovado neste Estado, em caráter experimental, pelo Conselho Estadual de Educação.
Implantados em sessenta e oito prédios de CIEPs, os Ginásios Públicos têm novo currículo pedagógico, que rearticula as antigas 5ª, 6ª,7ª,8ª séries do 1º grau e as 1ª, 2ª, 3ª séries do 2º grau, em cinco anos do curso. Assim, com 5 anos no Ginásio Público, o aluno em dez anos tem o 2º grau completo e está apto a enfrentar o mercado de trabalho ou a Universidade.
Nesses Ginásios, o horário integral é opcional. O currículo básico obrigatório é oferecido pela manhã ou à tarde e oficinas livres, que possibilitam um caminho vocacional, são oferecidas em horários alternativos. O jovem que já precisa enfrentar o mercado de trabalho pode abrir mão dos cursos livres e manter o seu emprego pela manhã ou à tarde. À noite, os Ginásios ainda têm o ensino a distância, permitindo que, utilizando sua própria conveniência e capacidade de assimilação, aqueles que não tiveram oportunidade no tempo próprio possam em um, dois ou três anos completar seu 1º ou 2º grau.
Hoje temos 52.800 alunos matriculados nos Ginásios Públicos e 22.000 inscrições iniciais para o ensino a distância. Foi um trabalho difícil, realizado em um período de três anos, que só foi possível graças à orientação do Professor Darcy Ribeiro, ao enorme apoio de um Governador que realmente prioriza a Educação de qualidade e à dedicação e esforço de mais de 200 professores e professoras que compõem as Coordenações responsáveis pelo Programa. Cada uma dessas pessoas acredita que esse País só tem solução através da Educação.
Continuidade - Todo esse trabalho foi o pontapé inicial. Quatrocentos e nove CIEPs estão aí como exemplo para aqueles de boa-fé e boas intenções que queriam tomar conhecimento do que são e como funcionam.
Com certeza, podem ainda ser melhorados, mas as críticas são sólidas quando feitas com conhecimento de causa. O que é inaceitável é o desrespeito de pessoas que, comprometidas com a Educação, formam conceitos e reproduzem informações equivocadas.
Um projeto como esse precisa, antes de mais nada, de continuidade. As crianças que entraram em 1992 no 1º ano de escolaridade estarão integradas à sociedade daqui a 10 anos como indivíduos completos, plenos de educação, princípios e valores, se for dada a elas essa oportunidade.
O País precisa disso. Depende de cada um de nós e da vontade política de nossos governantes, da seriedade com que encaram a Educação, não fazendo dela plataforma eleitoreira. (Rio de Janeiro, março de 1994)

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