*Por Merval Pereira
Sete anos depois que os fatos foram denunciados e cinco depois de o processo ter começado, tem início hoje no Supremo Tribunal Federal o julgamento da Ação Penal 480, conhecida popularmente como mensalão. Isso, por si só, é um acontecimento de importância crucial para o fortalecimento da democracia brasileira.
Num país em que, de maneira geral, políticos não vão sequer a julgamento, 38 réus ligados direta ou indiretamente ao governo que está no Poder estarão sendo julgados pela última instância do Poder Judiciário.
Mas há outro detalhe fundamental no julgamento de hoje: a cidadania festeja o fato de que ninguém sabe o resultado que sairá da cabeça dos juízes, e essa constatação, que seria corriqueira em um país com as instituições democráticas amadurecidas, é um avanço significativo no Brasil e na América Latina de nossos dias.
Uma Corte formada por nada menos que oito dos 11 titulares nomeados por um mesmo partido político que continua no Poder – 6 por Lula e dois por Dilma – vai a um julgamento dessa importância sem que o resultado esteja previamente definido pela submissão política de seus membros.
Esta é uma demonstração definitiva de que não somos como países da América Latina cujos governantes, através de manobras políticas ou administrativas, conseguem controlar o Poder Judiciário, colocando-o sob o domínio do Executivo.
Com o detalhe de que o PT, esse partido que está no Poder até pelo menos 2014, perfazendo um total de 12 anos de presidência, é o mesmo que está sendo julgado pelo Supremo.
Pode-se especular sobre a tendência deste ou daquele ministro que já deu margem a que se infiram suas decisões, como, por exemplo, o ministro revisor Ricardo Lewandowski, que já disse que seu voto será “um contraponto” ao do relator, ministro Joaquim Barbosa.
Este, aliás, mostrou-se surpreso com o comentário do colega, alegando que ninguém conhecia seu voto. No entanto, é possível deduzir que, assim como encaminhou seu relatório no sentido de que havia indícios suficientes para que os réus fossem investigados, Barbosa tenderá pela condenação.
Também sobre o voto do ministro Dias Toffoli tem-se uma boa probabilidade de acertar, se ele, como tudo indica, não se considerar impedido de atuar no julgamento.
Sua longa convivência com os petistas, para quem trabalhou diretamente fora e dentro do governo, se não o impede de julgar o mensalão, dá uma pista sobre seu posicionamento.
Ainda mais se sabendo que o ex-presidente Lula o está pressionando para que atue, e que o prefeito de São Bernardo Luiz Marinho, um petista de grande influência, já disse que Toffoli “não tem o direito de não participar do julgamento”.
Os demais são incógnitas, até mesmo o ministro Gilmar Mendes, alvo de ataques dos governistas em diversas instâncias e até do assédio do ex-presidente Lula, que o procurou para tentar cooptá-lo para a tese de adiamento do julgamento para depois das eleições.
A denúncia de Gilmar Mendes, de que teria sido ameaçado por Lula, provocou uma disputa política que dominou o noticiário durante dias, e pode ter deixado sequelas irreparáveis.
Diz-se que o principal dos réus, o ex-ministro José Dirceu, lamentou os ataques a Mendes por parte do PT, alegando que o ministro tinha um histórico de votação na chamada linha legalista, que leva em consideração mais as questões técnicas.
Desse ponto de vista, Mendes não seria um voto certo para a condenação dos réus, já tendo votado a favor do PT em várias ocasiões mesmo com posições políticas geralmente antagônicas.
O Supremo, diz-se, não é um colegiado, e cada ministro vota de acordo com o seu pensamento individual.
Mas há certamente tendências dentro do STF, e certos alinhamentos de posição. Mas neste julgamento histórico, cada ministro em sua “ilha decisória” estará também pensando no futuro da instituição, e na responsabilidade que têm de manter sua credibilidade, como um sustentáculo do processo democrático, o que leva em conta as questões da ética na política.
O resultado do julgamento pode significar o começo do fim de uma política partidária corrompida há muitos anos.
O PT não inventou a corrupção, é certo, mas elevou-a a um grau de sofisticação tal que colocou em risco a própria democracia quando transformou o esquema criminoso em política de governo.
Outros mensalões, como o do DEM de Brasília, ou o do PSDB mineiro, devem entrar na fila do julgamento, e o Supremo tem nas mãos o instrumento perfeito para reformar os (maus) costumes da política brasileira.
*Colunista do Jornal Globo
Sete anos depois que os fatos foram denunciados e cinco depois de o processo ter começado, tem início hoje no Supremo Tribunal Federal o julgamento da Ação Penal 480, conhecida popularmente como mensalão. Isso, por si só, é um acontecimento de importância crucial para o fortalecimento da democracia brasileira.
Num país em que, de maneira geral, políticos não vão sequer a julgamento, 38 réus ligados direta ou indiretamente ao governo que está no Poder estarão sendo julgados pela última instância do Poder Judiciário.
Mas há outro detalhe fundamental no julgamento de hoje: a cidadania festeja o fato de que ninguém sabe o resultado que sairá da cabeça dos juízes, e essa constatação, que seria corriqueira em um país com as instituições democráticas amadurecidas, é um avanço significativo no Brasil e na América Latina de nossos dias.
Uma Corte formada por nada menos que oito dos 11 titulares nomeados por um mesmo partido político que continua no Poder – 6 por Lula e dois por Dilma – vai a um julgamento dessa importância sem que o resultado esteja previamente definido pela submissão política de seus membros.
Esta é uma demonstração definitiva de que não somos como países da América Latina cujos governantes, através de manobras políticas ou administrativas, conseguem controlar o Poder Judiciário, colocando-o sob o domínio do Executivo.
Com o detalhe de que o PT, esse partido que está no Poder até pelo menos 2014, perfazendo um total de 12 anos de presidência, é o mesmo que está sendo julgado pelo Supremo.
Pode-se especular sobre a tendência deste ou daquele ministro que já deu margem a que se infiram suas decisões, como, por exemplo, o ministro revisor Ricardo Lewandowski, que já disse que seu voto será “um contraponto” ao do relator, ministro Joaquim Barbosa.
Este, aliás, mostrou-se surpreso com o comentário do colega, alegando que ninguém conhecia seu voto. No entanto, é possível deduzir que, assim como encaminhou seu relatório no sentido de que havia indícios suficientes para que os réus fossem investigados, Barbosa tenderá pela condenação.
Também sobre o voto do ministro Dias Toffoli tem-se uma boa probabilidade de acertar, se ele, como tudo indica, não se considerar impedido de atuar no julgamento.
Sua longa convivência com os petistas, para quem trabalhou diretamente fora e dentro do governo, se não o impede de julgar o mensalão, dá uma pista sobre seu posicionamento.
Ainda mais se sabendo que o ex-presidente Lula o está pressionando para que atue, e que o prefeito de São Bernardo Luiz Marinho, um petista de grande influência, já disse que Toffoli “não tem o direito de não participar do julgamento”.
Os demais são incógnitas, até mesmo o ministro Gilmar Mendes, alvo de ataques dos governistas em diversas instâncias e até do assédio do ex-presidente Lula, que o procurou para tentar cooptá-lo para a tese de adiamento do julgamento para depois das eleições.
A denúncia de Gilmar Mendes, de que teria sido ameaçado por Lula, provocou uma disputa política que dominou o noticiário durante dias, e pode ter deixado sequelas irreparáveis.
Diz-se que o principal dos réus, o ex-ministro José Dirceu, lamentou os ataques a Mendes por parte do PT, alegando que o ministro tinha um histórico de votação na chamada linha legalista, que leva em consideração mais as questões técnicas.
Desse ponto de vista, Mendes não seria um voto certo para a condenação dos réus, já tendo votado a favor do PT em várias ocasiões mesmo com posições políticas geralmente antagônicas.
O Supremo, diz-se, não é um colegiado, e cada ministro vota de acordo com o seu pensamento individual.
Mas há certamente tendências dentro do STF, e certos alinhamentos de posição. Mas neste julgamento histórico, cada ministro em sua “ilha decisória” estará também pensando no futuro da instituição, e na responsabilidade que têm de manter sua credibilidade, como um sustentáculo do processo democrático, o que leva em conta as questões da ética na política.
O resultado do julgamento pode significar o começo do fim de uma política partidária corrompida há muitos anos.
O PT não inventou a corrupção, é certo, mas elevou-a a um grau de sofisticação tal que colocou em risco a própria democracia quando transformou o esquema criminoso em política de governo.
Outros mensalões, como o do DEM de Brasília, ou o do PSDB mineiro, devem entrar na fila do julgamento, e o Supremo tem nas mãos o instrumento perfeito para reformar os (maus) costumes da política brasileira.
*Colunista do Jornal Globo
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